segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Como escrever uma redação nota 10 no Enem


Cinco lições para participantes do Enem 2011



Redação

"Nos meses anteriores à realização da prova, fiz muitas redações. Mas só praticar não basta: é preciso rever os erros. Isso permitiu que eu identificasse minhas falhas, e não as repetisse. No dia do Enem, fiz uma redação clássica: não inventei nada. Abordei o tema proposto expondo minhas ideias de forma bastante clara. Como os temas quase sempre são ligados à cidadania, é possível recorrer a um repertório bastante abrangente para tratar deles. Ou seja, é possível escrever sobre muitas coisas dentro de um mesmo tema. Essa é a grande diferença do Enem para outros vestibulares."
Nayara Neves Covo, 17 anos


Ciências humanas

"Nada de decoreba. O segredo do Enem está na interpretação de texto. Na área de história, não é preciso decorar datas e eventos. Os textos costumam trazer essas informações. Nosso trabalho é nos concentrar na contextualização: para isso, basta ler atentamente tudo o que a prova traz. Qualquer erro de interpretação pode por tudo a perder. Já na área de geografia, os gráficos e tabelas dominam. Estar antenado com temas da atualidade, aqueles que dominam o noticiário, é uma ajuda valiosa. Geralmente, são tratados temas de importância nacional. É raro que questões regionais ganhem destaque."
Mariana Cabride, 18 anos

Ciências da natureza

"As questões desta área são conceituais e de raciocínio lógico e geralmente estão relacionadas ao cotidiano do aluno. A maior dificuldade é interpretar os textos introdutórios. Por isso, é preciso calma na hora da leitura – mas fique sempre atento ao tempo, que é bastante apertado no Enem. Combinar esses dois elementos, tranquilidade e agilidade, é o grande desafio da prova."
Marcela Malheiro Santos, 17 anos

Linguagens

"Toda a prova do Enem é marcada por textos de apoio. Especificamente no exame de língua portuguesa, isso ajuda bastante. Não raro, a resposta à questão está no próprio texto: basta saber interpretar corretamente as informações. Mesmo as questões de gramática oferecem subsídios para o estudante. Mesmo assim, é importante não descuidar dos conceitos. Apesar de o exame não definir uma lista de obras literárias que o candidato deve ler, literatura é um tema recorrente: questões sobre escolas e estilos sempre aparecem. Minha dica é: leia os livros da lista da Fuvest e Unicamp, que abrange diversos movimentos literários."
Marília Bueno, 18 anos

Matemática

"A prova não é um bicho de sete cabeças, como costumam pensar os vestibulandos. É um exame simples, que exige cálculos pouco elaborados. Além disso, dois temas distintos não costumam ser tratados em uma mesma questão, o que facilita bastante. No entanto, os enunciados extensos confundem e cansam o candidato. Para driblar esse obstáculo, aconselho o estudante a se concentrar nas questões que têm enunciados mais breves. Assim, você minimiza o risco de se perder nos textos, errar contas simples e ainda ficar cansado para resolver as operações que exigem muita atenção."
Guilherme Munhoz, 22 anos

domingo, 28 de agosto de 2011

A idéia que mudou a minha vida


Crio, logo existo. Essa adaptação da máxima do filósofo francês René Descartes traduz com fidelidade o que ocorre no mundo do trabalho nos tempos atuais. Para ter sucesso, não basta ser competente e dedicado. No mundo de hoje, são muitos os que têm essas duas qualidades. Além delas, é preciso ser criativo. Esse item faz a diferença. "É a criatividade que tira o profissional do sopão dos medíocres", diz Francisco Britto, um dos sócios da consultoria paulista BW, especializada em gestão de talentos – ramo que surgiu justamente para atender às novas necessidades das empresas. Pense em seu círculo de amigos. Eleja ali três pessoas que se destacaram em suas atividades – quaisquer que sejam. É grande a possibilidade de que, por trás dessas histórias de sucesso, se encontrem profissionais inventivos, capazes de superar a rotina. Um empreendedor que percebeu, antes dos concorrentes, a necessidade de colocar um novo produto no mercado. Um executivo que, dentro de uma empresa, descobriu um novo filão de negócios. Um cientista que desenvolveu uma nova tecnologia em laboratório e atraiu o interesse de investidores de peso. As pessoas bem-sucedidas são competentes e dedicadas – se não o fossem, já teriam sido expelidas do mercado das profissões. As que aparecem com realce, no entanto, costumam ter também boas idéias. É assim que se destacam do rebanho. São o inverso dos acomodados, os medíocres que constituem a maior parte da força de trabalho e ajudam a manter o mundo girando sem, no entanto, alterá-lo de alguma maneira.
A criatividade é a ferramenta que forjou o mundo. Ela está presente em tudo o que é humano. Graças a pessoas criativas, foram inventados a roda, a caneta esferográfica, o computador em que esta reportagem foi escrita e uma infinidade de outros objetos que parecem existir desde sempre. Para não falar dos sistemas filosóficos, das teorias econômicas e das hipóteses astronômicas. Criatividade é uma extensão da inteligência. A especialista inglesa Margaret Boden, autora de um dos melhores livros sobre o tema, The Creative Mind (A Mente Criativa), define inteligência como a capacidade de armazenar e manejar adequadamente um vasto volume de dados. A criatividade seria o poder de síntese, ou seja, a faculdade de combinar esses dados para obter algo novo e útil. Mal comparando, uma pessoa inteligente vê estrelas e sabe dizer o nome delas, enquanto um ente criativo consegue enxergar os desenhos que as constelações formam. O físico alemão Albert Einstein, formulador da teoria da relatividade, definia seu trabalho como uma "arte combinatória". Essa habilidade em juntar elementos, linguagens ou áreas do conhecimento está por trás das principais descobertas científicas e criações artísticas. O engenheiro alemão Werner von Braun levou o homem à Lua combinando a ciência da fabricação de bombas – que havia aprendido enquanto servia ao regime nazista – com princípios de navegação aérea. Os florentinos criaram a ópera, no século XVI, misturando as artes da música e da encenação. Às vezes uma necessidade imediata está por trás de uma idéia engenhosa. Viciado em bridge, o lorde inglês John Eduard Montague inventou o sanduíche porque não queria parar de jogar na hora do almoço. Os casos acima, em diferentes medidas, mudaram o mundo – afinal, até hoje as pessoas assistem a óperas e comem sanduíches (de preferência não ao mesmo tempo), enquanto da tecnologia dos foguetes surgiram as sondas e os ônibus espaciais. Mas a criatividade não é atributo apenas de artistas e cientistas. Em maior ou menor grau, ela é inerente ao ser humano. Se algumas pessoas desenvolvem o seu potencial criativo, enquanto outras não, isso se deve a um fator primordial: o prazer de pensar. Para alguém criativo, ter uma boa idéia é, antes de tudo, agradável e gratificante. Como dizia o cientista italiano Galileu Galilei na peça do alemão Bertolt Brecht, "pensar é um dos maiores prazeres da raça humana". Se nem sempre é possível mudar o mundo com uma idéia, freqüentemente é possível melhorar a própria vida. E é no ambiente de trabalho, onde os seres humanos passam a maior parte do dia e são constantemente colocados diante de desafios, que esses pensamentos transformadores surgem com maior freqüência.
Você é criativo? E, afinal, o que define um profissional criativo? Os especialistas concordam em alguns pontos. Primeiro: é alguém dotado de curiosidade. Alguém que, ao receber uma tarefa, não se limita a cumpri-la da maneira que o chefe mandou. Quer saber por que está fazendo aquilo e como seu trabalho irá repercutir nas outras áreas da empresa. Tome-se o caso de Wilson Maciel Ramos e Márcio Zapparoli, da companhia aérea Gol (veja quadro). Uma segunda virtude é a inquietude. O profissional criativo não se contenta em fazer apenas o que se espera dele. O que se espera, por exemplo, de um advogado? Que, baseado em seu conhecimento das leis, oriente corretamente seus clientes. Um advogado criativo, no entanto, cruza códigos jurídicos, caça dubiedades forçando a revisão das leis estabelecidas – o que, em última análise, faz com que o direito evolua. Enquadra-se nessa categoria a tributarista Luciana Rosanova Galhardo, sócia do conceituado escritório paulista Pinheiro Neto (veja quadro).Uma terceira característica é o realismo. A visão clichê de uma pessoa criativa é a de alguém sonhador, que evita as tribulações do mundo real. Isso é uma bobagem. Um profissional criativo é aquele que sai a campo, confronta-se com a realidade – e esse choque acende a faísca das novas idéias. É o caso de Eliane Macari, que trabalha na área de marketing da 3M brasileira, baseada na cidade de Sumaré, em São Paulo (veja quadro). "Um profissional criativo é sobretudo alguém que, diante de um problema, levanta diferentes alternativas, em vez de limitar-se a soluções conhecidas de antemão", resume a professora Tania Casado, coordenadora do centro de carreiras da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo.
Existe uma revolução em curso no mundo das profissões. O professor americano Richard Florida, da Universidade Carnegie Mellon, em Pittsburgh, escreveu sobre ela no livroThe Rise of the Creative Class (A Ascensão da Classe Criativa). A tese de Florida é que a era do conhecimento testemunha o nascimento da "cultura criativa", em oposição à "cultura corporativa". Na época atual, a capacidade de realizar tarefas corretamente não é mais a mercadoria que os empregados vendem aos empregadores. Isso seria a característica da cultura corporativa, com suas empresas altamente hierarquizadas. Na era criativa descrita por Florida, as pessoas vendem, acima de tudo, sua capacidade de pensar. Espera-se mais de um profissional hoje do que no passado. "As profissões estão mais estressantes, mas são também muito mais interessantes, mais prazerosas", disse Florida a VEJA. "E o novo mundo do trabalho não é apenas uma corrida por melhores salários, mas também por desafios. Os profissionais querem ter o prazer de criar uma obra de arte inédita, um produto novo, um experimento científico em que ninguém tinha pensado antes."
Em sua pesquisa, Florida constatou que um profissional criativo estimula seu cérebro também nas horas de lazer. Ler bastante, freqüentar cinema e teatro, viajar para conhecer outras culturas, ter um hobby que exige atenção constante – como jogos de computador ou esportes radicais – constitui um padrão entre os que são bem-sucedidos. Nos Estados Unidos, a busca de estímulos faz com que essas pessoas se concentrem em cidades de vida cultural intensa e ambiente tolerante. Um caso clássico, citado em reportagem da revista Newsweek sobre o assunto, é o da cidade texana de Austin. No fim dos anos 70, surgiu lá um importante movimento de rock de garagem. Isso fez com que empresários se animassem a construir uma grande casa de espetáculos na cidade. Com todos esses atrativos, Austin se tornou uma meca da juventude no sul dos Estados Unidos. Na hora de escolher um lugar para instalar seu quartel-general, a empresa de informática Dell – hoje uma das gigantes do ramo – decidiu-se por Austin justamente por causa disso. O silogismo: jovens gostam de computadores, informática é um setor para pessoas criativas, e roqueiros em geral são jovens e criativos.
Florida observa também o crescimento dos profissionais pagos apenas para ter idéias. Estão nesse campo os consultores em várias áreas e, principalmente, os cientistas contratados pelas empresas para desenvolver novos produtos e tecnologias. Estes constituem a face mais evidente da classe criativa. É um fenômeno ainda típico de países do Primeiro Mundo. "No Brasil, quando alguém fala que é cientista, as pessoas perguntam a qual universidade ele pertence. Nos Estados Unidos, quando digo a minha profissão, logo querem saber para qual companhia eu trabalho", conta o carioca Henrique Malvar, que atua desenvolvendo novos produtos para a Microsoft, em Seattle. A idéia que mudou a sua vida foi criar, há alguns anos, uma câmera para transmissão de videoconferências em que a objetiva se dirigia automaticamente ao lugar de onde vinha a fala. Reluzindo em seu currículo, a proeza ajudou a despertar o interesse da empresa de Bill Gates (veja quadro). Malvar teve de emigrar para os Estados Unidos para exercitar suas habilidades de inventor. Se continuasse no Brasil, provavelmente estaria recebendo um salário ridículo como professor universitário e não teria um laboratório decente para trabalhar. Por aqui, 80% da pesquisa é feita pelas faculdades (trata-se, majoritariamente, de uma pesquisa burocrática e inútil). E apenas 20% da pesquisa nacional está nas mãos da iniciativa privada. Nos Estados Unidos, ocorre o contrário. Isso é ruim para o Brasil. "A experiência mostra que em todas as economias desenvolvidas, onde há elevado grau de inovação, são as empresas, e não a universidade, as maiores responsáveis pela pesquisa", constata Carlos Henrique de Brito Cruz, reitor da Universidade Estadual de Campinas.
O químico carioca Carlos Khalil também faz parte da turma dos cientistas-inventores. Ele desenvolveu um processo de desentupimento de oleodutos em grandes profundidades. A tecnologia criada pelo químico rendeu milhões à Petrobras, onde ele trabalha, e vem sendo empregada em vários países do mundo. "Sinto-me um privilegiado por poder ver minhas descobertas sendo aplicadas no mundo real, o que nem sempre acontece a um pesquisador acadêmico", celebra Khalil. A Petrobras é a empresa brasileira que mais registra patentes, à razão de uma a cada quatro dias. Como ela consegue? "Investimos 240 milhões de dólares por ano nisso, mantemos convênios com 232 universidades e institutos de pesquisa e empregamos 750 cientistas na companhia", informa Elias Menezes Oliveira, gerente executivo do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento da estatal brasileira. Moral da história: inovar rende fortunas, mas custa caro.
Fala-se muito que o brasileiro é um povo criativo. Por que, no entanto, somos um dos países do mundo que menos registram patentes? Talvez isso se deva à falta de uma cultura criativa, como existe nos Estados Unidos, pátria do maior inventor de todos os tempos, Thomas Alva Edison. Lá, idéias valem dinheiro – e o estímulo do dinheiro potencializa as novas idéias, mecanismo que faz girar a roda do capitalismo. "A maior parte das empresas brasileiras não sabe lidar com a inovação. Nos Estados Unidos, todas têm departamentos para analisar a viabilidade de novos projetos. No Brasil, muitas vezes as boas idéias caem no vazio", diz Antonio Carlos Teixeira da Silva, consultor na área de criatividade. Os brasileiros apenas engatinham na área da criatividade empresarial. Por aqui, a expressão "novos projetos" designa em geral omeletes montadas a partir de sobras de outros pratos guardadas na geladeira, como se isso constituísse grande novidade.
O americano Hitendra Patel, sócio do Monitor Group, consultoria estratégica ligada à Universidade Harvard, aponta três traços da cultura brasileira que dificultam a inovação. A enorme burocracia para abrir novos negócios. O ambiente excessivamente hierarquizado nas grandes empresas, onde o profissional tem de passar por vários níveis antes de apresentar suas idéias. E o fato de não valorizarmos tanto os modelos de inovação e sucesso. "Nos Estados Unidos, quando alguém é bem-sucedido numa área, ele passa a ser admirado. No Brasil, muitas vezes a primeira reação das pessoas é de desconfiança, como se o sucesso se devesse não ao mérito, mas à amizade de poderosos. O culto aos modelos de sucesso é importante para um ambiente de inovação", afirma Patel. O brasileiro é visto no mundo como um povo criativo, graças a nossos cartões de visita culturais – o futebol e a mistura musical de ritmos. Nesses campos, não por coincidência, o talento vale muitíssimo mais do que a tática e a estratégia. Fora dessas áreas, falta remover entraves – sobretudo de mentalidade. Só então um grau significativo de criatividade chegará à empresa e à universidade. Isso contribuiria para que o país exibisse um dinamismo econômico proporcional à capacidade de seu povo de ter boas idéias.

DICAS PARA SER MAIS CRIATIVO
• Nunca se contente com a primeira idéia que lhe ocorrer. Busque outras para, entre muitas, escolher a melhor
• Não se acomode. Sempre existe uma maneira de fazer melhor, mais rápido ou com menor custo aquilo que você já faz. Se você não pensar nisso, alguém irá pensar
• Seja curioso. Evite reproduzir tarefas mecanicamente. Busque as causas, os porquês, as implicações. Muitas idéias surgem daí
• Idéias não saem do nada. Associe, adapte, substitua, modifique, reduza. As combinações são infinitas
• Não acredite em bordões como "isso nunca vai funcionar" ou "em time que está ganhando não se mexe". O novo sempre assusta. Toda idéia tem de quebrar resistências
• Tenha iniciativa. Muitas boas idéias acabam no fundo da gaveta porque seus autores não tomam a decisão de mostrá-las aos outros
• Ouça os outros. Principalmente se eles pensam diferente de você. As idéias se desenvolvem com a divergência
• Faça de vez em quando coisas que contrariem seus hábitos, no trabalho ou no lazer. Por exemplo: se você gosta de filmes de ação, assista a um drama romântico. Se é fã de rock, tente o jazz. Sair da rotina é sempre estimulante para o cérebro


Dicas do consultor de empresas Antonio Carlos Teixeira da Silva,

especializado em criatividade e inovação

Quando o cérebro é o médico... ...e o monstro



O impacto das emoções e dos transtornos
psíquicos sobre a saúde orgânica é muito
maior do que se supunha. A psique é tão
importante quanto a genética e o estilo
de vida no desenvolvimento e no
tratamento das mais diversas doenças

Anna Paula Buchalla e Paula Neiva

Otavio Dias
EMOÇÕES DESTRUTIVAS
Por meio de sessões de psicoterapia, a psicóloga brasiliense Lívia Borges descobriu que dificuldades de relacionamento desencadearam uma disfunção da glândula tireóide



Durante exames de rotina, em 1998, a psicóloga Lívia Borges, de 39 anos, descobriu que os níveis dos hormônios de sua tireóide estavam abaixo do normal. Foi um susto e uma surpresa. "Eu não me sentia doente", lembra. Na consulta com um endocrinologista, veio o diagnóstico: hipotireoidismo. Sua glândula funcionava num ritmo muito lento, e Lívia teria de tomar remédios para o resto da vida. Foram cinco anos à base de hormônios sintéticos. "Em 2003, resolvi fazer psicoterapia, porque minha vida não estava nada boa", conta ela. Depois de seis meses de sessões, tudo começou a ficar mais claro: "Eu me sentia constantemente agredida nos relacionamentos pessoais. Eu entregava muito mais do que recebia, e essa troca desigual não me fazia bem. Era assim no meu casamento, nas minhas amizades e na minha família". Desvendados os mecanismos psíquicos que a levavam a comportar-se dessa maneira, Lívia resolveu parar com os medicamentos. Hoje, sua tireóide vai muito bem e sua cabeça idem. O hipotireoidismo era, como se costuma dizer, de fundo emocional. Já se sabe que pelo menos 150 doenças podem ser desencadeadas pelas aflições psicológicas de seus portadores: das alergias de pele à bulimia, da infertilidade ao infarto, do diabetes tipo 2 às disfunções glandulares, como aquela que afligiu Lívia. Explicar o peso dos conflitos íntimos na gênese e no tratamento dos mais diversos distúrbios representa um desafio. Desafio que, agora, une médicos e psicólogos, lados antes muito conflitantes. O reconhecimento, por parte dos primeiros, de que desequilíbrios de ordem psíquica podem, sim, ter um impacto direto na saúde ampliou bastante o campo de investigação da medicina psicossomática, a disciplina que procura estabelecer uma relação de causa e efeito entre o que vai pela mente e pelo corpo.
O número de pessoas que sucumbem fisicamente às suas próprias emoções é enorme. De cada dez pacientes que procuram um médico pela primeira vez, três apresentam queixas inexplicáveis na aparência, sem nenhuma causa orgânica. Tais sintomas, esclarecem os psicólogos, surgem exatamente para chamar a atenção para o sofrimento psíquico. "Quando são apenas sinais, diz-se que o paciente está somatizando", explica o psicanalista Roque Magno de Oliveira, professor da Universidade de Brasília. O correto, então, é encaminhá-lo à psicoterapia e pronto. Mas pode ocorrer de esse processo de somatização, detectável durante uma consulta médica mais acurada, já ter causado males verificáveis por exames clínicos e laboratoriais. Nesse caso, está diagnosticada uma "doença de origem psicossomática", que precisa ser curada por meio de remédios e tratamentos convencionais. O encaminhamento a um psicoterapeuta, aqui, deve ser feito em paralelo. Não raro a atenção aos transtornos psíquicos não só previne o surgimento de doenças como ajuda no combate aos males orgânicos instalados por eles.


Fotos AP
O AUSTRÍACO E O INGLÊS
Com os fundamentos da psicanálise, Freud forneceu as bases para a estruturação da medicina psicossomática, enquanto o físico Francis Crick (abaixo), com suas pesquisas sobre a consciência, ajudou a desvendar o funcionamento do cérebro


A MENTE ABRE AS PORTAS PARA A DOENÇA
É um erro, porém, atribuir todos os males a origens psicossomáticas. Essa visão equivocada é fruto de um certo "fundamentalismo psicológico" e foi denunciada pela escritora americana Susan Sontag, que morreu em dezembro de 2004, vítima de câncer. Na década de 70, quando recebeu o diagnóstico de que tinha um tumor maligno no seio, Susan ouviu de muita gente que o câncer era uma doença típica de pessoas com personalidade cinzenta, que reprimiam suas emoções ou não as demonstravam a contento. Os pacientes viam-se obrigados a arcar, assim, com um duplo peso: o do próprio tumor e o da "culpa" por tê-lo criado em virtude de um caráter pouco expansivo – tese sem nenhum respaldo científico. Inconformada, a escritora lançou-se a uma pesquisa histórica e constatou que, antes de ser descoberto o bacilo deflagrador da tuberculose, essa infecção pulmonar, um verdadeiro flagelo até o início do século XX, era também creditada a um dado de personalidade: gente romântica demais estaria mais afeita a contraí-la. Contra esse tipo de baboseira, Susan escreveu um livro belíssimo, A Doença como Metáfora.
O que a ciência tem como certo é que os transtornos psíquicos, sejam eles circunstanciais ou definidores da personalidade, podem aguçar a propensão – genética, ambiental – a determinadas doenças e distúrbios. Se 15% das mulheres portadoras de genes mutantes como o BRCA 1 e o BRCA 2, diretamente associados ao surgimento do câncer de mama, não desenvolvem a doença, isso ocorre, segundo os especialistas, porque elas contam com uma espécie de imunidade mental. "As experiências clínicas já mostraram que, se existe uma predisposição genética, a doença se manifestará em pacientes com maior instabilidade emocional", diz o psicanalista Rubens Marcelo Volich, autor do livro Psicossomática – de Hipócrates à Psicanálise.
Uma das perturbações de ordem psicossomática mais comuns é a infertilidade feminina. Muitas mulheres se angustiam (e a seus maridos) por não conseguir engravidar tão rapidamente como amigas suas. Acossadas pela angústia, de forma inconsciente tornam a concepção ainda mais difícil. O resultado é que, depois de anos de tentativas e tratamentos infrutíferos, boa parte delas desiste e parte para a adoção – e eis que, passado algum tempo no papel de mães adotivas, recebem a notícia de que estão finalmente grávidas. Prova-se, dessa forma, que a dificuldade tinha menos a ver com os ovários do que com o cérebro. "Exerço a medicina há trinta anos e a cada dia me convenço mais do poder da mente sobre a saúde", diz o ginecologista Paulo Serafini, do Huntington Centro de Medicina Reprodutiva.

A PSICOTERAPIA E OS GOLS DE RONALDO 

Antonio Scorza/AP
O CÉREBRO VENCEU O TALENTO
Ronaldo Fenômeno: a pressão para brilhar na Copa do Mundo fez o corpo adoecer




Recentemente, o Brasil acompanhou – apreensivo – um processo que, tudo indica, é de somatização. Pouco antes do primeiro jogo do Brasil na Copa do Mundo que está em curso, o jogador Ronaldo reclamou de muita tontura. Entrou em campo, teve uma atuação pífia contra a Croácia e, na saída, continuou a queixar-se de tontura. Depois da partida, o camisa 9 foi submetido a uma endoscopia, para a detecção de uma eventual gastrite. Os exames não acusaram nada. Aparentemente só há uma explicação plausível para o piripaque de Ronaldo: pressão demais. Não foi a primeira vez. Na Copa de 1998, na noite anterior à final com a França, o jogador teve contrações nos músculos, suou muito, sofreu uma convulsão e desmaiou – sem que houvesse uma justificativa orgânica para tanto. Casos como o de Ronaldo foram descritos há mais de um século pelo austríaco Sigmund Freud, o pai da psicanálise. Em um texto de 1895, Freud elencou os sintomas de uma perturbação nervosa que chamou de neurose da angústia: ataques de suor, de bulimia e de asma. Tremores, convulsões, tonturas. Palpitações, arritmias, taquicardia e "até graves estados de debilidade do coração, difíceis de diferenciar de uma doença orgânica", escreveu Freud. Ronaldo deveria, portanto, procurar um psicoterapeuta.
Ao longo da história, vários autores relataram a influência das emoções – positivas e negativas – sobre a saúde (veja quadro). A maior ou menor importância que se deu ao tema variou conforme o pensamento e as descobertas científicas e tecnológicas de cada período, num vaivém constante. O psiquiatra alemão Johann Christian Heinroth defendeu no livroDesordens da Alma, de 1818, a idéia de que as paixões sexuais contribuíam para o aparecimento da tuberculose, da epilepsia e do câncer. Aliás, é dele o termo "psicossomático" – do gregopsyché, mente, e sôma, corpo. Foi somente a partir da década de 70, no entanto, que a aproximação entre a medicina e a psicologia se estreitou, e a área psicossomática começou a ganhar reconhecimento científico. O "fundamentalismo psicológico" denunciado por Susan Sontag atrasou o progresso de um campo da medicina que só agora reclama sua posição no mundo científico. As evidências físicas do entrelaçamento de mente e corpo são extraordinárias. Sabe-se, por exemplo, que as vísceras (coração, pulmões, rins, fígado e estômago) e todas as glândulas são comandadas por feixes de nervos dos sistemas simpático e parassimpático. Eles devem conviver em equilíbrio constante. Ou seja, quando um é estimulado, o outro é desestimulado. Os sintomas dessa concertação são conhecidíssimos por todos, médicos e leigos. O estímulo do sistema simpático mobiliza o organismo, aumentando a respiração, a freqüência dos batimentos cardíacos e a pressão arterial. Como conseqüência dessa excitação, o sistema inibe outras funções, em especial a digestão. Por essa razão, os exercícios físicos extenuantes são um risco depois de fartas refeições. O exemplo acima é de funcionamento normal do sistema. Ocorre que uma sobrecarga de emoções constantes ou de stress diário pode submeter o sistema de nervos a um ritmo de ajustes que ele não consegue acompanhar. Resultado: doenças digestivas provocadas por causas externas. Sabe-se também que diversas neuroses de baixa intensidade são acompanhadas de distúrbios físicos dos órgãos comandados pelos sistemas simpático e parassimpático.

O PODER DAS PALAVRAS SOBRE A SAÚDE
O trabalho dos americanos Bob Ader e Nick Cohen foi fundamental para elucidar ainda mais essas inter-relações. Eles mostraram que, mediante um estímulo externo, o sistema imunológico pode ser "ensinado a se anular". Ader e Cohen misturaram sacarina a um remédio anticâncer, que naturalmente baixa as defesas do organismo, e administraram o coquetel em ratos de laboratório. Depois de repetir o procedimento diversas vezes, eles ofereceram apenas sacarina às cobaias. Pois bem, mesmo sem a adição do medicamento, elas registraram uma baixa no sistema imunológico. Seu cérebro obedeceu a uma sugestão, obtida por meio de condicionamento. A conclusão dos pesquisadores: se algumas conexões de neurônios podem enfraquecer as defesas do corpo, existem aquelas que também servem para aumentá-las. Com esse experimento, explicou-se, por via inversa, o efeito placebo, descrito pela primeira vez cerca de três décadas antes. O efeito placebo é a melhora do paciente tratado à base de remédios inócuos. "Uma série de fatores propicia o efeito placebo. De todos eles, o mais importante é a expectativa do paciente", disse o médico canadense Grant Thompson, professor da Universidade de Ottawa e autor do livro The Placebo Effect and Health, em entrevista à repórter Giuliana Bergamo. "Não é uma pílula de farinha ou de açúcar que faz um paciente melhorar, e sim o que esse paciente espera dela. Diversos estudos já mostraram que, quando se acredita na eficácia do tratamento, ele funciona muito mais."
Uma pesquisa fascinante acerca das benesses das emoções positivas sobre a saúde orgânica foi conduzida por estudiosos da Universidade de Kentucky, nos Estados Unidos. Por quinze anos, eles acompanharam 678 freiras, com idade acima de 75 anos. Interessados em estudar a doença de Alzheimer, avaliaram a história pessoal e médica de cada uma delas. Ao analisarem diários escritos pelas religiosas quando elas eram bem jovens, os pesquisadores perceberam que as que utilizavam em seus relatos uma maior quantidade de palavras ligadas a emoções positivas – como felicidade, amor, gratidão e esperança – haviam chegado com mais saúde à velhice do que as que costumavam usar grande número de vocábulos com significados negativos – como tristeza, indecisão e vergonha.

O "EU INTERIOR" APAGADO NO LABORATÓRIO
Para o reconhecimento da psicossomática, deu-se um passo decisivo na década de 90, com o surgimento de máquinas capazes de flagrar o cérebro em pleno funcionamento. Graças a esses aparelhos, conseguiu-se verificar que as emoções e as sensações são fenômenos físicos, que ocorrem em lugares específicos do cérebro. Para desilusão dos metafísicos, a ligação mente/corpo não é etérea, mas quase palpável. Na década de 90, o físico inglês Francis Crick (1916-2004), o gênio da dupla Crick-Watson que descobriu a forma de hélice do DNA, deu um passo gigantesco na aproximação de corpo e mente. Crick classificou os pensamentos e emoções de acordo com as ondas cerebrais que produziam. A alegria e a tristeza, o doce e o amargo, o claro e o escuro são sensações que produzem registros de ondas cerebrais tão distintas quanto as impressões digitais. De todas as medidas de Francis Crick, a mais estupenda foi a da freqüência da onda que o cérebro dos seres humanos utiliza para definir a consciência – ou seja, a individualidade, o dom de saber que você é você e o outro é o outro. A autoconsciência, descobriu Crick, é expressa por ondas cerebrais de 40 hertz. Em experimentos de laboratório Crick conseguiu algo antes inimaginável. Com a ajuda de eletrodos, o gênio do DNA banhou o cérebro de alguns voluntários com ondas de 40 hertz de picos invertidos. As ondas simétricas que os eletrodos de Crick injetaram no cérebro dos voluntários anularam as ondas da autoconsciência. Resultado: os voluntários continuaram com as mesmas habilidades mentais que possuíam (jogar xadrez ou falar idiomas, por exemplo), mas não mais sabiam quem eram. Seu "eu interior", com toda a riqueza de amores, emoções e auto-estima, foi momentaneamente anulado por um mero impulso elétrico externo.
Os pesquisadores estão empenhados agora em deslindar melhor as relações entre o sistema nervoso central e o imunológico e endocrinológico. Eles não têm mais dúvidas de que a comunicação de hormônios, moléculas e células de defesa pode sofrer influência direta da psique. Erros nessa comunicação podem levar ao surgimento de doenças auto-imunes, como alergias, e infecções de todos os tipos. Também podem causar fobias, pânico e depressão. "Nós estamos começando a entender a relação de interdependência entre o cérebro e o sistema imunológico – como eles ajudam um ao outro a se manter equilibrados e como o mau funcionamento entre ambos produz doenças", disse a VEJA a médica americana Esther Sternberg, uma das principais pesquisadoras em medicina psicossomática, autora do livro The Balance Within: the Science Connecting Health and Emotions (em português, algo como O Equilíbrio Interno: a Ciência Conectando a Saúde e as Emoções).
Entre as alternativas psicológicas que comprovadamente ajudam a evitar doenças e aceleram a recuperação física estão a psicanálise, a meditação e as terapias cognitivas comportamentais. Estas últimas sofreram impulso nos últimos anos, pelo fato de proporcionarem bem-estar de maneira rápida. O que importa, para seus seguidores, é ensinar o paciente a evitar a cadeia de reações emocionais que leva o corpo a responder com sintomas físicos. A meditação, por sua vez, visa a acalmar a mente das atribulações cotidianas. O estudo mais recente nesse campo submeteu pacientes cardíacos à técnica e comprovou que eles se beneficiaram de uma redução da pressão sanguínea. A hipótese é que a meditação modula a resposta do sistema nervoso ao stress. Nenhuma dessas duas técnicas, no entanto, age na raiz dos problemas psíquicos – ou seja, a história pessoal de cada um e os conflitos causados por ela. Esse papel cabe à psicanálise, que demanda tempo, disposição e dinheiro para que o paciente se aventure na tortuosa via do autoconhecimento.
O caminho para a psicossomática está aberto em definitivo, graças à associação entre médicos e psicólogos. Mas, apesar de todas as descobertas, ainda há muito por trilhar. Uma doença não é um episódio único. É fruto de uma história de vida. Sabe-se que há fatores ambientais e genéticos que são decisivos no aparecimento de uma doença – entre eles, idade, fumo, obesidade, sedentarismo. Qual o peso, contudo, de um luto no sistema imunológico de uma pessoa? Como medir quanto uma separação conjugal debilita o organismo? O poder da sugestão mental sobre a saúde foi objeto de uma frase famosa do escritor francês Stendhal, autor do clássico O Vermelho e o Negro. Ele afirmou que "nomear uma doença é apressar-lhe o progresso". O contrário – nomear uma cura para que a saúde se restabeleça – é uma hipótese que pertence tão-somente ao terreno da religião. O que os cientistas acreditam é que, num futuro não tão distante, será possível auscultar o cérebro para evitar que doenças atravessem a alma e desintegrem o corpo.

E O BEBÊ CHEGOU

Otavio Dias de Oliveira
"Eu e Sylvio estávamos casados havia dez anos e eu não conseguia engravidar de jeito nenhum. Fiz vários tratamentos de fertilidade, mas acabei tendo uma gravidez tubária de gêmeos. Passei por duas cirurgias por causa desse problema. Decidimos, então, adotar uma criança. Meu desejo de ser mãe sempre foi muito grande. No dia em que fui levar os papéis da adoção para a Justiça, percebi que estava com a menstruação atrasada. Eu estava grávida! E sem ter feito nenhum tratamento. Quando meu primeiro filho, o Sylvio, chegou, eu já estava grávida de cinco meses do Rafael. Os dois hoje têm a mesma idade. Um ano depois, veio a Thais, também de uma gravidez natural. Lembro-me de ter ouvido do meu médico na época: 'Olha só o poder que tem a mente!'."
Ana Lucia Neves de Oliveira, 42 anos, funcionária pública, de São Paulo,
com o marido, Sylvio, e os filhos Sylvio, Rafael e Thais

ALÍVIO NA PSICOLOGIA
As técnicas que comprovadamente minoram os sintomas psicossomáticos e serenam as emoções
Psicanálise
O método criado pelo neurologista austríaco Sigmund Freud (1856-1939) requer um paciente disposto a mergulhar em sua história pessoal. De todos os métodos para o tratamento das perturbações psicossomáticas, a psicanálise é a que vai mais fundo na exploração dos conflitos íntimos. Por isso, também é a mais longa (geralmente se estende por anos) e a que exige mais disponibilidade do paciente. Já se mostrou que, depois de alguns anos de sessões, a psicanálise é capaz de alterar a química cerebral, assim como os remédios

Meditação
A prática regular da meditação reduz os sintomas somáticos, medos e fobias por meio do controle da ansiedade. Estudos recentes mostram que a meditação afeta diretamente a função e a estrutura do cérebro, com repercussão no resto do organismo – a melhora do sistema imunológico, por exemplo. Meditar reduz o consumo de oxigênio, regula a respiração, desacelera os batimentos cardíacos e diminui a pressão arterial

Terapia Cognitivo-Comportamental
Também chamada de terapia breve, é uma espécie de tratamento psicológico de choque. Ganhou força nos anos 90, com o sucesso no tratamento de fobias. De lá para cá, passou a ser aplicada para o tratamento de sintomas específicos causados sobretudo por reações de stress, como taquicardia, tonturas e falta de ar. Essa terapia não se destina ao autoconhecimento, como a psicanálise. Seu objetivo é apenas cancelar a cadeia de reações físico-mentais que são sintomas de somatização. Em casos de ansiedade generalizada, sua eficácia é de 80%

Coaching
É a última novidade no tratamento dos sintomas psicossomáticos. Parte do princípio de que a duração e o grau de severidade de um sintoma podem ser mudados com alterações no estilo de vida e no modo de pensar do próprio paciente. Um psicólogo age como um treinador, estabelecendo metas a serem cumpridas e desafios a serem vencidos. É uma espécie de adaptação dos conselhos de auto-ajuda para a prática psicoterápica

Fontes: José Roberto Leite, psicólogo, e Rubens Volich, psicanalista

PENSAMENTO E AÇÃO
Duke University/Jim Wallace/AP
O BRASILEIRO NICOLELIS: estudo com macacos que comandaram braços robóticos usando ondas cerebrais

Em 2004, o neurocientista paulista Miguel Nicolelis foi eleito pela Scientific American,a revista de divulgação científica mais importante do mundo, um dos cinqüenta líderes mundiais da ciência. Seu feito: conseguir que macacos controlassem braços mecânicos usando apenas ondas cerebrais. Não há nada de paranormal no experimento de Nicolelis. A equipe do brasileiro, que dirige o laboratório de neurofisiologia da Universidade Duke, nos Estados Unidos, usou impulsos elétricos do cérebro dos primatas para mover as próteses. Uma delas estava no laboratório. A outra estava a quase 1 000 quilômetros de distância, no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, em Boston. Para conseguir isso, Nicolelis implantou eletrodos no cérebro dos animais e registrou num computador a atividade elétrica nas áreas responsáveis pelos movimentos de seus braços. Os macacos ficavam ligados a esse computador por fios com diâmetro menor que o de um fio de cabelo. Quando eles moviam os braços, a prótese mecânica, também conectada ao computador, realizava movimentos semelhantes. A máquina estava conectada via internet à outra, instalada em Boston. Dessa forma, quando os macacos se mexiam, também acionavam o segundo braço.

O estudo que alçou o brasileiro ao estrelato do mundo científico foi publicado no ano 2000. Há dois anos, fez-se uma experiência semelhante com humanos. Os cientistas desenvolveram um processo capaz de captar o conjunto de sinais emitidos por centenas de neurônios, simultaneamente, no momento em que uma pessoa realiza um movimento. Comandos feitos por meio de ondas cerebrais são a esperança sobretudo dos deficientes incapazes de movimentar partes do corpo. Num futuro não muito distante, espera-se, eles poderão mover braços e pernas robóticos por meio desse expediente.
Compreender os mecanismos que determinam os movimentos e buscar uma forma de codificá-los em linguagem digital é apenas uma das muitas frentes da ciência no esforço de decifrar o funcionamento do cérebro. Muito se tem avançado nesse campo nos últimos anos. Tamanho é o interesse pelo cérebro que é comum ver as mais diferentes áreas trabalhando juntas – da física e da engenharia à psiquiatria e à neurologia. O experimento na Universidade Duke é um exemplo dessa conjugação de esforços.

COMO FUNCIONA A MENTE



sábado, 27 de agosto de 2011

50 fatos da neurociência que todo professor deve conhecer


O cérebro é provavelmente o órgão mais fascinante do corpo humano. Ele controla tudo: da respiração até nossas emoções e inclusive nosso aprendizado. Se você é professor, conhecimentos básicos de neurociência são essenciais para seu trabalho, já que seu objetivo é proporcionar aprendizagem a seus alunos e, de preferência, da forma mais otimizada possível.
A seguir estão alguns conceitos, dicas e curiosidades que serão extremamente úteis na hora de planejar suas aulas, ou mesmo durante seus próprios estudos (e nesse aspecto esse texto será útil para qualquer pessoa). Você saberá, ao final, desde como o cérebro controla o aprendizado até fatos curiosos sobre a memória. Tudo muito interessante, inclusive para compartilhar com seus amigos e/ou alunos.

Desenvolvimento cerebral e aprendizagem

Aqui vamos aprender fatos interessantes sobre como o cérebro se desenvolve, o que afeta esse desenvolvimento e qual é o impacto na aprendizagem.
  1. Leitura em voz alta: Pais e professores que leem em voz alta e falam frequentemente com suas crianças estão contribuindo para o desenvolvimento cerebral delas.
  2. Bilinguismo: Crianças que aprendem dois idiomas antes dos cinco anos têm estruturas cerebrais diferentes das que aprendem apenas uma língua. Evidentemente, o bilinguismo acontece com crianças que convivem com pessoas que falam duas línguas. Nada de cursinhos para bebês, ainda ;-)
  3. Abuso infantil: Estudos revelam que o abuso infantil muda a forma como o cérebro se desenvolve e afeta negativamente o aprendizado.
  4. Novos neurônios: Durante a vida, constante atividade mental faz com que novos neurônios sejam produzidos no cérebro.
  5. Lateralidade: Pessoas canhotas ou ambidestras possuem o corpo caloso cerca de 11% maior que aquelas que trabalham apenas com a mão direita.
  6. Crescimento do cérebro: O cérebro humano cresce até a idade de 18 anos.
  7. Ambiente estimulante: Se uma criança é criada num ambiente estimulante, ela terá 25% a mais de capacidade de aprendizagem. O contrário também é verdadeiro, se o ambiente lhe passar poucos estímulos, será 25% menos capaz.
  8. Criativos x MetódicosCientistas demonstraram que cérebros que pensam de forma criativa funcionam de forma diferente daqueles cujo pensamento é mais metódico.
  9. Alimentação e inteligência: Um estudo com estudantes de Nova Iorque mostrou que aqueles cujas refeições não incluem sabores artificiais, corantes e conservantes tiveram o desempenho 14% melhor em testes de QI do que os que comem alimentos com esses aditivos.
  10. Tédio: Humanos têm curiosidade inata, mas quando há falhas nos estímulos, o tédio toma conta.
  11. Aprendendo coisas novasUm estudo mostrou que quando as pessoas estão aprendendo coisas novas, seus cérebros se modificam rapidamente. Por exemplo, pessoas aprendendo a fazer malabarismo mostraram mudanças cerebrais em 7 dias.
  12. Música. Crianças que têm aulas de música mostram um considerável aumento em sua capacidade de aprendizagem.
  13. Leitura facial: A área do cérebro chamada amígdala cerebelosa é responsável por nossa habilidade de identificar os sentimentos de alguém através de sua expressão facial.

Memória

Aqui você aprenderá as diferenças entre memória de curto e longo prazo, como o olfato afeta nossa memória, e mais.
  1. Diferentes tipos de memória: A habilidade de aprender e lembrar de coisas novas chama-se memória declarativa e é processada numa parte do cérebro diferente daquela onde ficam armazenadas informações do tipo “como fazer tal coisa”.
  2. Olfato e memória: O cheiro é um poderoso mecanismo de ativação da memória. Um estudo demonstrou que a memória, quando relacionada a um cheiro, pode ser resgatada mais facilmente
  3. Novas conexões: Cada vez que uma lembrança é recuperada ou um novo pensamento ocorre, uma nova conexão é criada no cérebro.
  4. Crie associações: A memória é formada por associações. Por isso, para desenvolver a memória de alunos, trabalhe com métodos mnemônicos.
  5. Sono: O cérebro usa o período de descanso para consolidar memórias.
  6. Falta de sono: Dormir pouco diminui sua habilidade para constituir novas memórias.
  7. Memória de curto prazoEstudos sugerem que a memória de curto prazo é o resultado de impulsos cerebrais químicos e elétricos — mudanças diferentes daquelas associadas à memória de longo prazo, que são mais de nível estrutural.

Curiosidades sobre o cérebro

De como o cérebro nos ajuda a piscar até as cirurgias cerebrais na antiguidade. Essa lista de curiosidades vai ajudar você na próxima vez que precisar falar sobre o cérebro.
  1. Piscar: A cada vez que piscamos (cerca de 20 mil vezes por dia), nosso cérebromantém as coisas iluminadas, de forma que o mundo não se apaga a cada piscada.
  2. Gargalhar: Uma tarefa tão simples quanto gargalhar é, na verdade, um processo complexo que requer atividade em cinco diferentes áreas do cérebro.
  3. Objetivo do bocejo: Você já deve ter reparado que quando uma pessoa boceja, as que estão próximas acabam fazendo o mesmo. Cientistas acreditam que o bocejo pode ter sido um antigo comportamento social que sinalizava algum evento no qual a resposta dos demais se dava através de um bocejo. Por isso, hoje em dia nós continuamos a “dar a resposta”, mesmo que não haja necessidade de uma.
  4. Banco de Cérebros: A Universidade de Harvard mantém um  banco de cérebrosno qual mais de 7.000 cérebros humanos estão armazenados para propósitos de pesquisa.
  5. Disney e desordens do sono: Os criadores da Disney usaram desordens do sono como ronco, pesadelos e sonambulismo em vários dos personagens de seus desenhos.
  6. Pensamentos: Acredita-se que humanos experenciam cerca de 70 mil pensamentos por dia.
  7. Aristóteles: O filósofo grego pensava que as funções do cérebro eram realizadas pelo coração.
  8. Espaço sideral: A falta de gravidade no espaço afeta o cérebro de várias formas.Cientistas estão estudando como e por quê, mas talvez você queira adiar sua próxima viagem à Lua.
  9. Shakespeare: A palavra cérebro aparece 66 vezes nas peças o dramaturgo inglês.
  10. Neurocirurgias: Arqueólogos encontraram evidências de que cirurgias cerebrais primitivas já eram realizadas por volta do ano 2000 a.C. através de uma abertura no crânio feita no paciente.
  11. Amigos imaginários: Um um estudo psicológico na Austrália mostrou que crianças entre 3 e 9 anos que têm amigos imaginários tendem a ser primogênitos.
  12. Oxytocina e autismo: Oxytocina é um hormônio responsável por promover a interação social e pode ajudar crianças com autismo a aumentar suas habilidades de socialização e de autoconfiança.

O Cérebro fisicamente

Afinal, do que nosso cérebro é feito? Aqui vamos desmistificar alguns fatos do senso comum e embasá-lo cientificamente sobre a constituição de nosso principal órgão.
  1. Água: A constituição de nosso cérebro é de cerca de 75% de água.
  2. Mito dos 10%: Se você já ouviu falar que seres humanos usam apenas 10% das capacidades de seu cérebro, saiba que esse é  apenas um mito. Cientistas já são capazes de atribuir função para qualquer parte do cérebro.
  3. Peso: O cérebro humano pesa cerca de  1kg e 300 gramas.
  4. Não há dor: Não existem receptores de dor no cérebro, portanto é impossível ter dor de cérebro.
  5. Telencéfalo: Também chamado de cerebrum, constitui a maior parte do cérebro, pesando cerca de 85% do total.
  6. Branco e cinza: O cérebro humano é formado por 60% matéria branca e 40% matéria cinza (daí a expressão “massa cinzenta”).
  7. Neurônios: Cerca de 100 bilhões de neurônios formam o cérebro humano.
  8. Sinapses: Para cada um dos neurônios, há de 1.000 a 10.000 sinapses.
  9. Córtex cerebral: Quanto mais é usado, mais largo fica o córtex cerebral.
  10. Bocejo: Acredita-se que bocejar é uma forma de enviar mais oxigênio para o cérebro, servindo, portanto, para resfriá-lo e estimulá-lo.

Cérebros fabulosos

Alguns exemplos de pessoas fabulosas e seus cérebros.
  1. Daniel Tammet é um autista com Síndrome de Savant com extraordinária capacidade de realizar cálculos, conhece sete idiomas, e está desenvolvendo uma linguagem própria.
  2. Albert Einstein: O cérebro de  Einstein era similar em tamanho aos cérebros de pessoas comuns, exceto na região responsável por cálculos matemáticos e percepção espacial, que era 35% maior que a média.
  3. Keith Jarrett é uma estrela do jazz que, aos 3 anos de idade, foi identificado como possuidor de ouvido absoluto. Os cientistas associaram essa capacidade à região do lobo frontal direito do cérebro.
  4. Taxistas de Londres: Famosos por conhecerem todas as ruas de memória,esses taxistas possuem um hipocampo maior que o normal, especialmente aqueles que estão no trabalho a mais tempo. Isso sugere que quanto mais memorizamos informações, maior fica nosso hipocampo.
  5. Vladimir Ilyich Lenin: Após sua morte, o cérebro de Lenin foi estudado e descobriu-se que era anormalmente largo, contendo numerosos neurônios em uma região em particular. Alguns acreditam que essa estrutura cerebral possa explicar sua famosa inteligência.
  6. O cérebro mais antigo: Na Universidade de York, no norte da Inglaterra, umcérebro que acredita-se ter cerca de  2000 anos foi desenterrado.
  7. Ben Pridmore, o campeão mundial de memorização, memorizou 96 eventos históricos em 5 minutos e a ordem de um baralho de cartas embaralhado em 26,28 segundos.
  8. Henry Molaison: Por décadas conhecido apenas como “HM,” Molaison foi submetido a uma cirurgia em 1953 e nunca mais pode formar novas memórias. Ele se tornou o paciente mais estudado pelos neurocientistas. Molaison morreu pouco mais de um ano atrás e doou seu cérebro para a ciência. Atualmente, ele está sendo alvo de muitos estudos.
Esse texto é uma tradução livre de 50 Brain Facts Every Educator Should Know, de Pamelia Brown.