quarta-feira, 9 de maio de 2012

Desabafar muda o cérebro


TERAPIA

Contar um trauma altera funções cerebrais, diz o psicoterapeuta. E ajuda a superar a dor
POR SUZANE FRUTUOSO
Falar sobre as dores vividas é essencial para superar um trauma. Ao fazer isso, a pessoa é capaz de reorganizar sentimentos. Até aí, nenhuma novidade. O psicólogo Julio Peres, de 38 anos, foi além. Conseguiu mostrar que a conversa modifica o funcionamento do cérebro. A pesquisa, tema de doutorado de Peres em Neurociências e Comportamento pela Universidade de São Paulo, deve ser publicada em junho na revista Journal of Psychological Medicine. O estudo foi feito com 16 pacientes que sofreram estresse pós-traumático parcial (que não apresentam todos os critérios de diagnóstico). Eles passaram por oito sessões de psicoterapia. Os indivíduos narraram o momento traumático várias vezes. Depois, foram convidados a relembrar situações difíceis que viveram anteriormente e a sensação positiva que tiveram ao superar o problema. Exames de tomografia ao final do tratamento revelaram que o funcionamento cerebral é modificado com a narração. "Quem passou pela psicoterapia apresentou maior atividade no córtex pré-frontal, que está envolvido com a classificação e a 'rotulagem' da experiência", diz Peres. "Por outro lado, a atividade da amígdala, que está relacionada à expressão do medo, foi menos intensa." Isso fortalece a tese de que falar sobre o problema ajuda a pessoa traumatizada a controlar a memória da dor que sofreu.
Julio Peres
• O QUE ESTUDOU 
Psicólogo clínico, especialista em Transtorno de Estresse Pós-Traumático. Doutorando em Neurociências e Comportamento pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP)

• O QUE ESCREVEU 
Autor de diversos artigos científicos sobre traumas psicológicos, psicoterapia e superação, publicados em revistas comoPsychological Medicine e International Journal of Psychology
ÉPOCA - Como foi realizado o estudo? 
Julio Peres - Aplicamos questionários para estabelecer as modalidades sensoriais (o rosto do ladrão, o cheiro da gasolina, o barulho da freada do carro) que permaneceram na mente dos indivíduos. Antes da psicoterapia, essas sensações estavam exacerbadas. Depois dela, verificamos que o valor sensorial das memórias traumáticas diminuiu. O que aumentou foi o valor narrativo, junto com a atividade do córtex pré-frontal. É um achado importante. Significa que, à medida que a narração do evento aumenta, as respostas emocionais e as sensações são atenuadas.

ÉPOCA - Como o senhor teve a idéia do estudo? 
Peres - Muitos profissionais da saúde não creditam o devido valor ao tratamento pela ausência de marcadores biológicos do efeito psicoterápico. Quis estudar a produção científica com o uso do método de neuroimagem funcional com a psicoterapia. No Brasil, é o primeiro estudo desse tipo. Fiz uma revisão de todos os estudos publicados no mundo. Qual foi minha surpresa? Existiam apenas 20 estudos sobre o assunto. E a neuroimagem já existe há 20 anos!

ÉPOCA - Dá para dizer que a psicoterapia muda o funcionamento cerebral? 
Peres - Sim. A maneira como o cérebro processa as informações muda. Os psicólogos deveriam estudar seus pacientes com métodos neurofuncionais. No Brasil, ainda é difícil. Poucas pessoas têm conhecimento sobre o assunto.

ÉPOCA - Qual é o perfil dos pacientes estudados? 
Peres - São pessoas que sofreram traumas, mas não preencheram todos os critérios do estresse pós-traumático. São pessoas que passaram por eventos como perda de entes queridos, acidentes, separação, abuso sexual, assalto, seqüestro. Eles representam 30% da população geral.

ÉPOCA - Quem não pode fazer psicoterapia deve compartilhar seus problemas com alguém? Isso também muda o cérebro? 
Peres - Sim. Em geral, as pessoas traumatizadas tendem a se isolar. Não verbalizam o evento, não compartilham suas histórias. Justamente pela falta de contar e recontar essas histórias, as pessoas ficam com as memórias traumáticas fragmentadas. Medo, sensações dispersas, sem atribuição de um significado para o que aconteceu. Quando ela constrói esse significado, tem a possibilidade de reconstruir o momento trágico, trazendo um aprendizado daquele evento. Isso alivia a dor.

ÉPOCA - Relembrar a situação traumática não é pior? 
Peres - É exatamente isso o que os traumatizados pensam. Lembrar outra vez da dor? É como se o indivíduo voltasse ao horror experimentado. Mas, se ele não falar sobre sua memória, não consegue dar significado e entender o acontecimento. Falar modifica a interpretação. Converse com pessoas de confiança: amigos, familiares, alguém vinculado a sua crença religiosa. O mais importante é que possa de fato compartilhar. Não é falar para qualquer um. Deve ser alguém que tende a acolher. Escrever também é um caminho. O publicitário Washington Olivetto escreveu durante o trauma (enquanto estava seqüestrado). Certamente, isso o beneficiou. É um exemplo de superação.

ÉPOCA - Em traumas semelhantes, as pessoas têm reações parecidas? 
Peres - Os estudos mostram que em tragédias naturais avassaladoras, como tsunamis e terremotos, a resposta de cada envolvido é absolutamente diferente. Não existe uma resposta universal ao trauma. Temos estudado o que predispõe à recuperação. O que as pessoas que superam essas situações difíceis desenvolvem como qualidades? E por que aquelas que continuam traumatizadas não conseguem desenvolvê-las, pelo menos por algum tempo?

ÉPOCA - O que fazer para não ficar preso às lembranças de uma tragédia? 
Peres - Criar novos objetivos. É ver o acontecimento como uma oportunidade para o aprendizado e o crescimento pessoal. Sentimentos positivos, como o altruísmo, ajudam a pessoa a melhorar rapidamente em vez de sucumbir ao trauma. É essencial não se sentir enfraquecido, incapaz perante o que viveu. E o trauma está muito ligado à incapacidade. Por exemplo, num acidente de carro, a pessoa pensa: "Eu não pude controlar o carro e fiquei preso nas ferragens". O trauma pode marcar o indivíduo nesse sentido. Ele se sente sem condições de superá-lo. Quem cria uma aliança positiva com aquele momento sai mais facilmente da dificuldade.

ÉPOCA - O que perpetua um trauma? 
Peres - Em geral, os traumatizados têm a tendência de querer pagar na mesma moeda. Com pensamentos do tipo: "Mataram minha mulher e agora vou matar cada um desses caras". Quando existe o sentimento de vingança, a repetição do ciclo traumático não acaba. Não resolve o problema, e os traumas vão aumentando.

ÉPOCA - Que substâncias o cérebro libera quando a pessoa sofre um trauma? 
Peres - O trauma pode se estabelecer de duas maneiras. Uma é a hiperestimulação, que envolve o sistema simpático, relacionado à adrenalina. O indivíduo fica em alerta, irritado, com insônia, pensamentos intrusivos. O outro lado é a dissociação, que envolve o sistema parassimpático e a endorfina. É também uma estratégia de adaptação, de sobrevivência ao evento. Um anestesiamento. Acontece especialmente com crianças que sofreram abuso sexual, porque geralmente o agressor está em casa. E diante disso ela não pode fugir. Ela dissocia, como se não estivesse acontecendo nada. Só que as conseqüências dessa dissociação são gravíssimas. Em geral, viram adultos que não conseguem estabelecer vínculos afetivos. Aquele processo de dissociação ficou tão enraizado, como uma defesa de sobrevivência, que também tende a continuar por um bom tempo.

ÉPOCA - Quanto tempo uma pessoa leva para superar um trauma? 
Peres - Depende de cada pessoa, do processamento interno em relação ao ocorrido. No caso do estudo, fizemos oito sessões de terapia, com duração de uma hora e meia cada uma. E essas sessões foram suficientes para o grupo modificar as respostas emocionais. Eles ficaram mais equilibrados psicologicamente. 



O que diz o estudo
Após oito sessões de psicoterapia, os pesquisadores observaram mudanças nas seguintes regiões do cérebro
Maior atividade no córtex pré-frontalEle está envolvido na classificação das
experiências
Menor atividade na amígdala
Ela está relacionada à expressão do medo

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Como a ciência explica o que chamamos de pressentimento (e por que precisamos dele)



Você vê um amigo de longe e, em questão de pouquíssimos segundos, tem o “pressentimento” de que há algo errado. Quando os dois se sentam para conversar, ele conta que realmente está passando por problemas sérios. Como você sabia? O neurocientista David Eagleman, que dirige o Laboratório de Percepção e Ação do Baylor College of Medicine no Texas, traz uma explicação no livro “Incógnito – As Vidas Secretas do Cérebro”.
Para entender, imagine outra situação: você e outras pessoas estão diante de uma mesa com quatro baralhos. Cada um precisa escolher uma carta a cada rodada – e o que aparecer nela pode significar perdas ou ganhos em dinheiro. Mas há um detalhe: dois desses baralhos têm mais cartas boas (ou seja, fazem você ganhar dinheiro) e dois têm mais cartas ruins. Quem escolhe o baralho é o próprio participante que está tirando a carta. Em todas as rodadas, enquanto toma a decisão, cada pessoa é interrogada sobre quais baralhos acredita serem bons ou ruins. Quanto tempo você acha que levaria para descobrir isso?
Um neurocientista chamado Antoine Bechara e alguns colegas fizeram um experimento exatamente assim em 1997 e descobriram que os participantes precisavam tirar, em média, 25 cartas para sacar quais baralhos eram bons ou ruins.
Mas havia um detalhe: eles também mediram, durante toda a tarefa, as reações elétricas da pele de cada participante – que seriam um reflexo da atividade do sistema nervoso autônomo, responsável pela reação de luta ou fuga, por exemplo. Assim, quando a pessoa se sentisseameaçada, isso seria indicado por esse medidor.
E foi isso que permitiu uma descoberta espantosa: o sistema nervoso autônomo conseguia decifrar a estatística dos baralhos bem antes que a consciência dos participantes: por volta da13ª carta. A essa altura, cada vez que um deles estendia a mão para pegar a carta de um baralho ruim, havia um pico de atividade elétrica em sua pele – em outras palavras, uma parte do seu cérebro lhes enviava um sinal de alerta, como que dizendo “Cuidado, cara! Esse baralho vai te fazer perder dinheiro!”.
Mas acontece que a mente consciente dessas pessoas ainda não era capaz de captar a mensagem claramente. Isso se manifestou, então, na forma de um “pressentimento”: elas começavam a escolher os baralhos bons antes mesmo de poderem explicar o porquê.
Esse pressentimento é necessário para fazermos boas escolhas. O experimento foi repetido com voluntários que tinham danos na área do cérebro responsável pela tomada de decisões – o córtex pré-frontal ventromedial. Descobriu-se que essas pessoas não eram capazes de formar aquele sinal elétrico de alerta na pele. Ou seja, seu cérebro não conseguia compreender as estatísticas tão rápido e, assim, não os advertia. Mas, mesmo quando sua mente consciente finalmente compreendeu quais eram os baralhos bons e ruins, eles continuaram a escolher as cartas dos montes errados. Se a sua consciência sabia o que fazer, mas mesmo assim eles não o faziam, isso indicaria que a atividade “escondida” do cérebro (que se manifesta nesse caso na forma do que chamamos de “pressentimentos”), é essencial para a tomada de decisões vantajosas.
Reconhecendo rostos
O resultado desses estudos condiz com uma descoberta posterior relacionada a pessoas consideradas prosopagnósicas – aquelas que são incapazes de reconhecer rostos. Fazendo essa medição dos impulsos elétricos de sua pele, pesquisadores concluíram que elas apresentavam uma atividade maior quando viam o rosto de uma pessoa que conheciam. Uma parte do seu cérebro ainda era capaz de distingui-los. O problema é que isso não chegava à sua mente consciente.
Voltando ao caso do primeiro parágrafo: o “pressentimento” que você teve em relação ao seu amigo pouquíssimos segundos após olhar para ele provavelmente tem uma explicação parecida. Antes que sua mente consciente sequer tomasse conhecimento de que ele estava ali, é possível que seu cérebro já tivesse analisado sua linguagem corporal e registrado sinais de que havia algo de errado com ele.
Isso ensina que: 1) Apesar de sua mente consciente (ou aquilo que você considera você) levar o crédito por tudo, ela sabe muito pouco das atividades todas que rolam na sua cabeça – no máximo, ouve sussurros dela. Mas isso não é um problema porque 2) graças a esses “pressentimentos”, podemos tomar decisões vantajosas mesmo sem estarmos conscientes da situação.
Quer tomar a decisão certa? Jogue uma moeda
Se a nossa mente consciente sabe tão pouco do mundo em comparação com o que está inconsciente, como podemos acessar as informações que não chegam até ela e tomar boas decisões?
O neurocientista David Eagleman dá a dica: pegue uma moeda, determine qual face equivale a qual decisão e vá no cara ou coroa. Não, não é que você vai decidir assim, pelo acaso. O truque é avaliar sua sensação depois que a moeda cair. Caso se sinta levemente aliviado com o resultado, essa é a decisão correta para você. Se, em vez disso, se irritar e achar isso ridículo, talvez devesse escolher a outra opção.

Como o seu cérebro manipula você no quesito “paixão”




Ana Carolina Prado
Já parou para pensar o que, exatamente, faz com que você se sinta atraído (a) por certas pessoas mesmo sem conhecê-las direito?  Ou por que aquela mulher ou aquele cara que você viu de relance parece muito mais bonita (o) do que realmente é?
Tudo isso pode ser explicado com base no funcionamento “secreto” do nosso cérebro – ou seja, toda aquela atividade que não chega até a nossa consciência.
No livro “Incógnito – A vida secreta do cérebro”, o neurocientista David Eagleman conta que realizou um experimento no qual exibiu lampejos de fotos de homens e mulheres a voluntários e pediu a eles que as classificassem quanto ao seu grau de atração. Depois, eles ainda as classificaram uma segunda vez, mas levando o tempo que quisessem para analisá-las.
O resultado mostrou que as pessoas eram sempre julgadas mais bonitas quando vistas de relance do que quando eram melhor analisadas. Isso é algo que provavelmente já aconteceu com você. Por exemplo, quando vê de relance um amigo conversando com outras pessoas e percebe que, no grupo dele, está uma mulher linda. Quando para parar falar com eles, porém, você descobre que ela estava longe de ser aquele poço de formosura que você havia inicialmente vislumbrado.
Estudos como o de Eagleman têm mostrado que esse tipo de engano é mais comum em homens do que em mulheres, provavelmente porque a avaliação que eles fazem do que éatraente se baseia mais fortemente em fatores visuais.
Mas por que isso acontece? Por que nosso cérebro sempre erra para o lado de acreditar que as pessoas são muito mais bonitas, em vez de simplesmente calcular a beleza na média? Segundo o neurocientista, isso se deve às exigências da reprodução. Expliquemos melhor: para nós, supostamente é melhor julgar um parceiro em potencial como sendo inicialmente maravilhoso porque, para comprovar ou negar isso, basta dar uma segunda olhada e pronto. No entanto, se a pessoa fosse linda e você a julgasse como sendo feia de relance, iria perder o interesse – e poderia perder a chance de ter um possível futuro genético promissor. Ou seja, para não correr o risco de perder um parceiro em potencial, o palpite é sempre para o lado positivo.
Eagleman cita outros estudos que mostraram que homens acham mais atraentes fotos de mulheres com as pupilas dilatadas, embora esse fosse um detalhe extremamente sutil e imperceptível pela consciência. Mas há um detalhe: os homens não sabiam, mas pupilas dilatadas indicam interesse sexual (pode reparar, suas pupilas provavelmente ficam maiores quando você está olhando para a pessoa em quem está atraído).
Por que isso acontece? Seu sábio cérebro captou esse sinal de receptividade muito antes de sua consciência e já lançou a mensagem para você: “essa pessoa vale a pena, invista nela!”. E aí ela passa a ser vista como atraente.
O que dançarinas de boate nos ensinam sobre o cérebro
A atração que outras pessoas exercem sobre nós também se adapta às circunstâncias. No reino animal, a fêmea dá sinais claros de que está no cio. As fêmeas dos babuínos, por exemplo, ficam com o traseiro com um rosa vivo que é entendido pelos machos como um convite claro para o acasalamento.
Entre os humanos, apesar de não ocorrer nada assim tão claro, as mulheres também são consideradas mais bonitas quando estão no período fértil. “Isso é verdadeiro tanto quando ela é julgada por homens quanto por mulheres, e o efeito funciona mesmo quando o teste é feito por fotos”, explica Eagleman. Ou seja, não depende da forma como ela age – somente de sua aparência.
Ainda não se sabe que sinal é esse que elas transmitem. Pode ter algo a ver com a tonalidade de sua pele, que muda durante essa época, ou ao fato de suas orelhas e seios ficarem mais simétricos. Nossa consciência não sabe ainda o que é – mas o cérebro sim.
E isso é um efeito mensurável. Cientistas do Novo México descobriam que dançarinas de boates locais ganhavam uma média de 68 dólares por hora em seu pico de fertilidade, enquanto as que estavam menstruando ganhavam apenas 35. A média geral era de 52 dólares.
Isso mostra que o poder da atração, apesar de estar além do nosso alcance consciente, já estádeterminado neurologicamente. O cérebro é muito bom na detecção de dicas sutis. Se você for medir as feições de uma pessoa que acha bonita com a de alguém que não acha, verá que a primeira apresenta uma simetria maior, mas que é tudo extremamente sutil. Um alienígena ou uma barata jamais entenderiam a diferença, assim como nós não saberíamos diferenciar um ET ou barata bonitos de outros feios. Para nós, eles têm todos a mesma cara – mas pesquisadores de baratas garantem que cada uma delas possui um rosto com traços particulares.
As pequenas diferenças em nossa própria espécie têm um efeito intenso no nosso cérebro, que está equipado para a seleção e busca de um parceiro. E, como escreveu David Eagleman, “tudo isso ocorre sob a superfície de nossa consciência – nós simplesmente desfrutamos das sensações agradáveis que borbulham dela.”