quarta-feira, 24 de agosto de 2011

As novas fronteiras da inteligência


Leonardo da Vinci foi o maior dos polímatas, ou seja, atuava com brilho em diversas áreas do conhecimento. Como pôde alguém reunir tantas qualidades intelectuais e artísticas? Que explicação tem a ciência para o fenômeno Da Vinci? A resposta está nas descobertas feitas pela psicologia nas últimas duas décadas ao tentar desvendar o que é exatamente a inteligência humana. Com base nessas descobertas, e utilizando-se a terminologia que elas consagraram, pode-se afirmar que o gênio da Renascença não apenas era um polímata, mas suas diversas inteligências conversavam entre si, em um diálogo de neurônios tão fenomenal quanto raro. Essa habilidade de colocar para trabalhar em harmonia áreas distintas do cérebro já foi explicada de diversas maneiras. A mais recente é física. A hipertrofia da área nervosa do cérebro que faz a junção entre os hemisférios direito e esquerdo seria a responsável, em parte, pela emergência de fenômenos como Leonardo da Vinci.
A psicologia clássica, sistematizada no fim do século XIX, sustenta que a inteligência pode ser medida pela capacidade da pessoa em resolver questões lingüísticas e matemáticas. A partir dessa premissa, criaram-se os testes de quociente de inteligência, ou QI, atualmente em desuso. Hoje, sabe-se que a inteligência não é uma entidade una, traduzível em índices. Há vários tipos de inteligência, cada uma aplicada a um campo do conhecimento ou da atividade humana. "As pessoas têm dentro de si todos os tipos de inteligência, mas desenvolvem cada um deles em grau diferente", diz Howard Gardner, psicólogo americano, da Universidade Harvard, um dos teóricos dessa nova corrente. Em resumo: nenhum ser humano é intrinsecamente mais capaz do que seu vizinho – ele apenas explora melhor determinadas inteligências que lhe foram conferidas pela natureza.
Na última década, a questão da natureza da inteligência foi alvo de vários estudos. Em 1995, o psicólogo e jornalista americano Daniel Goleman causou furor com o livro Inteligência Emocional,que vendeu 5 milhões de cópias em trinta idiomas. Goleman alega que o equilíbrio emocional é tão vital para o sucesso na vida como a formação intelectual. Vazada em autêntico estilo auto-ajuda, a obra nunca foi aceita pelos estudiosos acadêmicos. Já a teoria das inteligências múltiplas, erguida com sólida base científica, explica como alguns conseguem chegar tão longe. É o que mostra a seguir esta reportagem.

INTELIGÊNCIA LINGÜÍSTICA 


A inteligência lingüística revela-se na capacidade de comunicar e interpretar o mundo através das palavras. É a inteligência dos escritores e poetas – e também das pessoas que gostam de brincar com rimas e trocadilhos, contar piadas e histórias. O escritor irlandês James Joyce (1882-1941) foi dono de uma inteligência lingüística assombrosa, demonstrada em suas duas obras-primas, os romances Ulisses e Finnegans Wake. Na primeira, cada um dos dezoito capítulos é escrito num estilo literário diferente e é associado a uma cor, a uma arte ou ciência e a um órgão do corpo. Essa combinação de escrita caleidoscópica com uma estrutura de texto formal faz do livro uma das maiores contribuições para a literatura do século XX. JáFinnegans Wake é todo escrito numa linguagem peculiar e obscura, não tem enredo nem personagens convencionais – um primor de originalidade lingüística.

INTELIGÊNCIA NATURALISTA
Quem possui inteligência naturalista é capaz de identificar e classificar padrões na natureza. Essa inteligência – como todas as outras – tem sua origem no instinto de sobrevivência. O homem pré-histórico dependia desse tipo de percepção para identificar a flora e a fauna que podia ou não ser comida. Hoje, essa percepção nos permite interagir com o ambiente e entender o papel que ele desempenha em nossa vida. O naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882) foi um pouco além: ao propor as bases da moderna teoria da evolução das espécies e do princípio da seleção natural como seu mecanismo, ele revolucionou a forma como o ser humano vê a si próprio. Antes, era uma criação divina. Depois de Darwin, o homem encontrou seu lugar como um elo na cadeia evolutiva, cujas regras valem para todas as criaturas vivas. Ele formulou sua teoria após retornar de uma viagem ao redor do mundo, durante a qual coletou uma enormidade de espécies. Mas demorou duas décadas para publicar A Origem das Espécies, o livro que mudou a sociedade e o pensamento modernos.

INTELIGÊNCIA LÓGICA
A inteligência lógica permite que se compreendam as relações abstratas, ou seja, os conceitos que não existem no mundo real, apenas na dimensão das idéias. Os cientistas, matemáticos e filósofos contam com ela para realizar seu trabalho. Quem possui inteligência lógica aguçada tem facilidade em entender o que está a sua volta por meio de equações matemáticas. Consegue enxergar poesia nos números e arte na ciência. O físico alemão Albert Einstein (1879-1955), o mais célebre cientista do século XX, desenvolveu sua inteligência lógica até o limite. Embora sua especialidade não fossem os cálculos matemáticos (preferia delegá-los a ajudantes), ele viu no universo o que ninguém havia percebido antes. Dessa forma, construiu a teoria da relatividade, que alterava as relações até então aceitas entre tempo e espaço. As idéias de Einstein forneceram os fundamentos para a moderna cosmologia e, anos depois de sua morte, continuaram a dar aos cientistas as ferramentas para entender várias características do universo. Sua visão foi tão original que ele se tornou uma celebridade, algo até então inédito para um cientista.

INTELIGÊNCIA MUSICAL
A inteligência musical é conhecida e valorizada desde os primórdios da humanidade – faltava apenas que lhe dessem um nome. Quem a desenvolve consegue criar, comunicar e distinguir significado nos sons e em suas combinações. A maioria das pessoas aprecia música e esse apreço pode ser cultivado com a prática. Outros têm uma habilidade inata. Desde pequenos podem decodificar melodias e ritmos com maior rapidez do que palavras, números ou imagens. A habilidade musical de Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) parece ter despertado quando ele ainda era um bebê, em Salzburgo, na Áustria, onde nasceu. Filho de um professor de música, recebeu intenso aprendizado em casa e compôs seus primeiros trabalhos aos 5 anos. Adolescente, ele já era um concertista requisitado pela nobreza em toda a Europa. Sua genialidade foi manifestada na fartura de sua produção artística e nas inovações que legou para as gerações futuras. Ele compôs em vários gêneros musicais, de sonatas para piano até música de câmara. Seus melhores trabalhos foram as óperas – como a famosa A Flauta Mágica – e as 68 sinfonias que deixou. Ao morrer, com apenas 35 anos, Mozart tinha aplicado sua marca na história da música.

INTELIGÊNCIA INTRAPESSOAL
Os indivíduos com inteligência intrapessoal desenvolvida estabelecem uma via direta com a própria consciência, dominam seus sentimentos com facilidade e têm uma idéia clara de sua capacidade e seus limites. Sabem usar suas experiências, positivas ou negativas, para se aperfeiçoar. São, em suma, pessoas donas de si. Em parte, foram essas características que permitiram a Sigmund Freud (1856-1939) desenvolver as idéias que o levaram a inventar a psicanálise. Sua contribuição mais importante para o pensamento moderno foi a teoria sobre o que existe por trás da consciência – o inconsciente. Durante o século XIX, nas águas do positivismo, acreditava-se que as pessoas tinham conhecimento completo de si próprias e de sua vida, e exerciam controle total sobre ambos. O médico austríaco sugeriu que não temos controle nem mesmo sobre nossos pensamentos, e que freqüentemente agimos em desacordo com o que manda nossa racionalidade.

INTELIGÊNCIA INTERPESSOAL
AP

Cada pessoa tem uma forma específica de se relacionar com as outras, mas quem desenvolve a inteligência interpessoal encontra mais facilidade em entender o que elas pensam, sentem e desejam e, dessa forma, conquistar sua simpatia. Professores, políticos, vendedores e artistas são algumas das categorias profissionais que se beneficiam da inteligência interpessoal. A cantora Madonna é um exemplo típico de quem desenvolveu ao máximo esse tipo de habilidade. Suas músicas costumam ser massacradas pela crítica, suas atuações no cinema, como atriz, mais ainda. Apesar disso, ela se tornou o principal ícone pop dos últimos vinte anos, arrastando multidões delirantes a seus shows e vendendo discos aos milhões. Seu segredo é saber exatamente o que seu público pensa, como provocá-lo e como ele reagirá. Ela planeja cada novo passo na carreira baseada não em inspiração artística ou tendências musicais, mas nas relações interpessoais que mantém com os fãs.

INTELIGÊNCIA CINÉTICA
Lemyr Martins

Desenvolver a inteligência cinética é condição fundamental para todos os que usam os movimentos corporais como instrumento profissional. Contam-se aí os atletas, dançarinos, coreógrafos e também quem trabalha com as mãos, como os cirurgiões plásticos e os mecânicos, por exemplo. Há quem julgue que a habilidade física e a inteligência habitam universos diferentes, mas é preciso mais do que treino e boa forma para vencer nos esportes. Que o diga o Pelé. Quando reinava absoluto nos estádios, driblando e fazendo gols com enorme facilidade, ele exibia uma interação complexa entre orientação espacial, conhecimento intuitivo das leis da física, criatividade e rapidez na solução de problemas. Foi assim que ele alcançou 1 281 gols ao longo da carreira, tornou-se o único jogador a ganhar três Copas do Mundo com sua seleção e uma das maiores celebridades da história dos esportes. Não se consegue isso sem a ajuda da inteligência cinética.

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